No Instituto Abundância, somos firmemente contrários à prática de internação involuntária. Acreditamos que qualquer abordagem de tratamento que remova a liberdade de escolha de um indivíduo é, em essência, contraproducente e desrespeitosa. Forçar alguém a buscar ajuda, especialmente em um momento de fragilidade emocional e dependência química, apenas intensifica os sentimentos de desespero, vergonha e impotência. Essa prática não só prejudica a dignidade pessoal, como também tende a minar a eficácia do processo de recuperação, tornando-o mais superficial e temporário.
Nossa experiência e filosofia de acolhimento humanizado estão enraizadas na crença de que a verdadeira recuperação acontece por meio de uma escolha consciente e voluntária. Quando um indivíduo decide, por si mesmo, embarcar no caminho da transformação, ele se sente mais capacitado para enfrentar os desafios e construir uma base sólida de autoconhecimento e bem-estar emocional. É nesse ambiente de autonomia e respeito que se cultivam mudanças duradouras.
Por outro lado, não podemos ignorar o impacto nocivo do sistema capitalista de clínicas particulares que promovem a internação involuntária. Essas instituições frequentemente lucram em cima da angústia e da desinformação das famílias, que buscam soluções rápidas e permanentes para um problema complexo. Muitas vezes, essas clínicas oferecem ambientes luxuosos, estruturas de lazer e serviços que justificam os preços exorbitantes cobrados. Porém, na essência, o foco dessas instituições está em manter um ciclo de dependência e internação prolongada, em vez de promover a verdadeira autonomia dos acolhidos.
O tratamento em clínicas particulares, focado em longos períodos de internação e uma abordagem excessivamente teórica, não prepara os acolhidos para a vida cotidiana. Sem práticas eficazes e habilidades concretas de gestão emocional, muitos saem dessas clínicas sem as ferramentas necessárias para lidar com as frustrações e pressões do dia a dia. O resultado é um ciclo de recaídas, novas internações e um contínuo benefício financeiro para as clínicas — um modelo que se sustenta pela perpetuação da dependência, em vez de pela promoção da liberdade.
Além disso, há o desrespeito à Lei 13.840, que deveria assegurar que a internação involuntária fosse usada apenas em casos de extrema necessidade e avaliada criteriosamente. Essa lei, feita especificamente para dependentes químicos, estabelece que o tempo máximo de internação involuntária é de 90 dias, e que o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser avisados em até 72 horas. No entanto, muitas clínicas particulares de internação involuntária nem sequer utilizam a Lei 13.840. Em vez disso, lamentavelmente, recorrem à Lei 10.216, que é voltada para doentes mentais, explorando uma brecha legal que permite considerar a dependência química como uma doença mental. A Lei 10.216 não estabelece um tempo máximo de internação, o que permite que essas clínicas realizem internações prolongadas e prejudiciais, abusando de uma legislação que não foi criada para dependentes químicos.
O que vemos, infelizmente, é que famílias são facilmente persuadidas a submeter seus entes queridos a essas internações, muitas vezes sem a devida avaliação ou acompanhamento médico adequado. Em situações extremas, equipes de busca são enviadas para capturar e imobilizar os acolhidos, utilizando métodos que não só são antiéticos, mas também traumáticos.
Para nós, do Instituto Abundância, essa lógica capitalista fere o propósito real da recuperação, que deveria ser focado no ser humano, em sua dignidade e no fortalecimento de sua capacidade de escolha. Defendemos um sistema onde o cuidado seja verdadeiramente integral, priorizando a autonomia, a justiça social e o respeito à pessoa em cada etapa de sua jornada de cura.